
A analista de sistemas Karla Pereira 30, sempre sonhou em ser mãe, mas não ficou feliz ao receber a notícia de que estava grávida de dois meses. "Queria muito um filho, mas não agora. Não diante desse cenário assustador", diz. Como outras mulheres, ela teme entrar para uma estatística da qual ninguém deseja fazer parte: a de gestantes cujos bebês são suspeitos de ter microcefalia.
O Brasil já contabiliza 1.761 notificações em 422 municípios de 14 unidades da federação. Somente na Bahia, – que passou, em apenas uma semana, do sexto para o terceiro estado com o maior número de casos suspeitos – já são 180, segundo dados do Ministério da Saúde; e 150, considerando as informações da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).
Diante da situação, o medo das gestantes é natural, sobretudo no caso daquelas que tiveram zika vírus no primeiro trimestre da gravidez, fase em que a estrutura básica cerebral da criança está sendo formada.
Mas é nesse mesmo cenário que vivem as mulheres que já não têm mais direito à dúvida. Já deram à luz bebês microcefálicos e estão igualmente assustadas por não saberem como cuidar das suas crianças.
Joenice Figueiredo Tavares, 22, é uma das mães que não teve tempo para se preparar ou aprender. Recebeu o diagnóstico da filha, Kesia Rayssa, quase ao mesmo tempo da chegada da menina ao mundo, que nasceu de parto normal no dia 26 de setembro.
Dúvidas
O desconhecimento e a ocorrência do surto da doença logo após o nascimento da filha, inicialmente, gerou medo e dúvidas. "Até então, não tinha informação nenhuma sobre a doença. Não sabia se ela (a filha) teria sequelas, se iria andar e falar normalmente ou se teria que ter acompanhamento médico constante", conta Joenice.
Os questionamentos carregados de temor revelam um sentimento comum às mães de crianças microcefálicas: a angústia de um futuro incerto, já que o tipo e o nível de gravidade das sequelas de uma criança que nasce com a doença variam caso a caso e dependem do grau de acometimento do tecido cerebral.
Além disso, o zika vírus associado à microcefalia é algo novo na história da medicina brasileira. Há, portanto, mistérios sobre o tema que a ciência ainda não desvendou e perguntas que nem mesmo os profissionais da área de saúde conseguem responder.
"É tudo muito novo até mesmo para nós, médicos. Estamos estudando ainda os casos. É difícil afirmar que tipo de sequelas a microcefalia pode gerar ", afirma o pesquisador e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Manoel Sarno.
Obstetra e ultrassonografista, Sarno é um dos coordenadores de um estudo que consiste em avaliar mulheres infectadas pelo zika vírus durante a gestação e acompanhar as crianças até os 2 anos. "Torcemos para termos alguma conclusão no final de 2016", diz.
Apesar das incertezas, já existem alguns dados nada animadores. De acordo com a pediatra, pesquisadora e professora da Ufba, Larissa Monteiro, aproximadamente, 90% dos bebês com microcefalia apresentam algum tipo de distúrbio do desenvolvimento.
"As sequelas estão diretamente relacionadas ao tipo e gravidade da malformação do sistema nervoso, mas, em geral, há retardo mental associado a atraso do desenvolvimento motor. Crises convulsivas, comprometimento da visão e da audição também podem ocorrer", explica a médica.
Além da anamnese e exame físico logo após o parto – incluindo a medição do perímetro da cabeça -, é possível investigar o grau de comprometimento do tecido cerebral por meio de exames como a ultrassonografia transfontanela.
"Esse exame é realizado através da moleira (fontanela) do bebê. Com ele, é possível analisar as estruturas intracranianas e a extensão das lesões cerebrais", afirma o professor da Ufba e coordenador do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas, Aílton Melo.
Em alguns casos, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética também são indicadas para uma melhor identificação de anormalidades estruturais do cérebro.
Tratamento
Não há, contudo, tratamento específico para a microcefalia. Os médicos recomendam a reabilitação e o acompanhamento com uma equipe multidisciplinar, a depender das complicações neurológicas apresentadas.
"Como a maioria das crianças irá desenvolver algum tipo de complicação a depender da função neurológica comprometida, ações de suporte e reabilitação com acompanhamento por diferentes especialistas – médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos – serão necessárias", diz.
Giliarde Vieira e Joenice Figueiredo Tavares têm aprendido na prática quais são as necessidades da filha Kesia que, com apenas 2 meses, já vive uma rotina desgastante. Semanalmente, sai de Simões Filho e segue para a capital baiana para sessões de fisioterapia, além de ter consultas regulares com um neuropediatra.
O cansaço dos pais é visível, mas pouco diante do carinho dedicado à criança, cercada de atenção e cuidado dos familiares. "Minha filha é especial", diz Joenice, olhando a menina com ternura. Um olhar de mãe, mais atento do que qualquer outro, pois consegue enxergar além das imperfeições aparentes. Os olhos de Joenice veem a realidade à sua frente, com a lente do amor.
Rede de Assistência na Bahia
A Sesab divulgará na próxima quinta-feira, 17, o protocolo de atendimento e a lista com os centros de referência que fazem parte da Rede de Assistência a crianças microcefálicas
Fabiana Mascarenhas