No dia 20 de novembro, o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, uma data marcada pela morte de Zumbi dos Palmares. Essa comemoração serve como um reflexo dos avanços significativos alcançados nas últimas seis décadas em matéria de igualdade racial, segundo a avaliação de João Jorge Santos Rodrigues, presidente da Fundação Palmares.
Em entrevista à Agência Brasil, Rodrigues expressou sua satisfação com os resultados das lutas promovidas pelo movimento negro, destacando a importância de figuras como Abdias Nascimento e Lélia Gonzalez. Ele acredita que essas conquistas foram fundamentais para a construção de uma sociedade mais democrática. No entanto, Rodrigues também alertou que, apesar das vitórias – como a implementação de cotas raciais, a criação do Ministério da Igualdade Racial e a demarcação de territórios quilombolas – o caminho a seguir ainda é longo, e o cenário atual não é ideal.
Abdias Nascimento, um renomado escritor, dramaturgo e ativista dos direitos civis, e Lélia Gonzalez, uma intelectual e referência nos debates sobre gênero e raça, desempenharam papéis cruciais na luta por igualdade no Brasil. Rodrigues fez uma comparação entre o racismo brasileiro e o encontrado em países como Estados Unidos, África do Sul, Índia e Austrália, ressaltando que o racismo no Brasil é um fenômeno sistêmico, caracterizado por sua complexidade e persistência.
“O racismo aqui se manifesta de maneira sofisticada, tornando-se um crime continuado que busca minar a presença e a vida da população negra. Tragédias como as chacinas no Rio de Janeiro, na Bahia e em São Paulo exemplificam a mortalidade que afeta essa população”, observou Rodrigues.
O presidente da fundação também comentou sobre a importância da Fundação Cultural Palmares, criada em 22 de agosto de 1988, cuja missão inclui a valorização da Serra da Barriga, lar do Quilombo dos Palmares, o maior e mais duradouro quilombo das Américas, localizado em Alagoas. O Parque Memorial Quilombo dos Palmares é um espaço que homenageia a resistência e a cultura afro-brasileira.
Rodrigues recordou que, entre 2018 e 2022, a fundação não realizou atividades comemorativas para o Dia da Consciência Negra na Serra da Barriga, uma situação que mudou com a transformação da data em feriado nacional, feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelas ministras Anielle Franco e Margareth Menezes, respectivamente da Igualdade Racial e da Cultura. Para ele, essa nova abordagem permite que as questões de justiça e igualdade sejam mais bem pautadas.
“A população negra não está pleiteando nada além do que lhe é de direito. Nós contribuímos para a construção desta nação com nosso trabalho e sacrifício. O Brasil é o terceiro maior país com população negra do mundo, com cerca de 113 milhões de pessoas”, enfatizou Rodrigues. Ele defendeu que o povo negro merece reparações históricas, embora reconheça que essas ações estejam ocorrendo a um ritmo mais lento do que os seus antepassados desejavam.
No Quilombo da Serra da Barriga, melhorias foram realizadas tanto na preservação quanto no acesso às informações, visando facilitar a visitação de brasileiros e estrangeiros. “A construção da memória do povo brasileiro é uma tarefa complexa, pois envolve a história de mulheres, indígenas, negros e até mesmo as revoltas de Canudos e Malês”, afirmou Rodrigues. A Guerra de Canudos, que ocorreu entre 1896 e 1897, envolveu um conflito armado entre o Exército e a comunidade liderada por Antônio Conselheiro, resultando na destruição da localidade e em milhares de mortes. Já a Revolta dos Malês, em 1835, foi o maior levante de escravizados da história brasileira.
A secretária-executiva do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), Larissa Santiago, também reconheceu os avanços na luta pela igualdade racial no Brasil. “Estamos conseguindo discutir o tema com maior clareza e abrangência. As pessoas hoje compreendem melhor o que significa igualdade racial e se engajam mais nessa discussão”, afirmou. Ela atribui esse progresso, em grande parte, ao avanço das políticas educacionais, que incluem a consolidação das leis de cotas nas universidades e a ampliação dessas cotas no setor público.
“Isso se reflete em uma maior presença de pessoas negras nas universidades e cursos técnicos”, acrescentou Larissa, que também notou um aumento no número de professores negros, capazes de trazer novas perspectivas sobre raça, classe e gênero para seus alunos. Entretanto, ela admitiu que o Brasil ainda enfrenta desafios significativos. A diversidade do país, com sua vasta extensão territorial e uma população negra majoritária, exige um acesso equitativo à saúde e à segurança pública.
“O enfrentamento das desigualdades requer uma abordagem transversal nas políticas públicas. Saúde e segurança são essenciais para garantir que nossa população negra tenha pleno acesso a seus direitos”, concluiu Larissa.

