No comparativo em número de homicídios, a Venezuela fica em Feira de Santana – ambas têm taxa de 54 mortes por 100 mil habitantes.
Em troca de dinheiro, um homem abandona uma cabeça humana no centro da cidade, alardeando mais um assassinato cometido por uma facção criminosa. A cena parece a de um país em guerra, mas ocorreu em Porto Seguro, em dezembro de 2014, ano em que a taxa de homicídio na cidade do Sul da Bahia (86,5) quase atinge o indicador de Honduras, país onde mais se mata no mundo, com 90 assassinatos para cada 100 mil habitantes.
No comparativo em número de homicídios, a nossa Venezuela fica ali, em Feira de Santana – ambos têm taxa de 54 casos por 100 mil habitantes. Já Juazeiro, Vitória da Conquista e Salvador conseguem, isoladamente, registrar mais homicídios que a Guatemala, país onde 60% dos cidadãos possuem arma de fogo.
Enquanto o Brasil, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), é responsável por 10% das mortes violentas do mundo, a Bahia concentrou, segundo dados preliminares do Ministério da Justiça, divulgados no mês passado, 11% dos homicídios confirmados no país em 2014.
Crack na parada
Com a maior taxa do planeta, segundo um levantamento do Banco Mundial divulgado em 2014 (baseado em informações de 2012), Honduras é um país marcado pelo narcotráfico.
Em 2002, registrou 55 de taxa de homicídio. Em dez anos, o índice passou de 90. Fatores políticos, como um golpe de Estado, em 2009, e a suspensão da assistência antitráfico dada pelos EUA, são apontados como influenciadores da crise de segurança no país da América Central, mas, segundo o Escritório das Nações Unidas contra Droga e Delito (UNODC), o combate ao tráfico no vizinho México foi ainda mais decisivo para a escalada da violência.
Honduras passou a ser uma das principais rotas de cocaína para os EUA, em associação com grupos criminosos mexicanos, e a disputa por quem lidera esse comércio ilegal resultou em milhares de mortos e refugiados (ver abaixo).
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Não dá para negar que os índices são altos. É um absurdo morrer tanta gente. Mas temos reduções
Delmar Bittencourt, titular da Delegacia de Porto Seguro
É também o narcotráfico que explica a elevada taxa de homicídio de Porto Seguro, segundo o titular da 1ª Delegacia local, Delmar Bittencourt. As mortes, segundo ele, ocorrem quase sempre por dívidas com o tráfico ou rivalidade entre gangues, como no episódio em que a cabeça do garçom Mateus Silva da Costa, 19, foi deixada no bairro Campinho.
O rapaz morava em Casas Novas e tinha amigos no local onde foi degolado. Nos dois bairros há facções que rivalizam. “Matam por bobagem. Se tem um homem que briga muito com a mulher e isso chama polícia, ele morre”, cita.
Questionado sobre como a cidade chegou a índices de homicídio tão próximos ao da campeã mundial Honduras, o delegado ponderou que, embora não conheça a realidade do país da América Central, desconfia que lá não se lide com o crack, droga apontada no relatório do Ministério da Justiça como um dos principais causadores de mortes violentas no Brasil.
“Não dá para negar que os índices são altos. É um absurdo morrer tanta gente. Mas temos tido significativas reduções nos últimos anos com ao trabalho das polícias”, conclui.
‘Bem’ colocados
Já em relação a Feira de Santana, o equivalente em taxa de homicídio é a Venezuela, único país do ‘top 5’ que não fica na América Central. Titular da Delegacia de Homicídios local, Jean Souza estima que 80% das mortes estão ligadas ao narcotráfico.
A segunda motivação que ele chama a atenção está relacionada a grilagens de terras, o que corresponderia a 5% dos casos. “As mortes, normalmente, estão ligadas à disputa entre traficantes. É similar à capital”, aponta.
No último ano, segundo o delegado, também houve redução de casos de assassinato na cidade: em 2013, foram registrados cerca de 30 homicídios por mês, enquanto em 2014 a média mensal foi de 22.
No caso da Venezuela, há uma onda de violência que estaria ligada também ao narcotráfico e crimes diversos praticados com armas de fogo. Apesar do plano de desarmamento da população, anunciado pelo presidente Nicolás Maduro, a taxa no país da sul-americano é a segunda maior do mundo.
O país, porém, ficaria bem atrás num ranking, caso, além de Feira, Simões Filho (84,3), Camaçari (77,1), Lauro de Freitas (77,1), Ilhéus (62) e Itabuna (69) fossem países. Para tentar cair no ranqueamento, a prefeitura de Itabuna criou o programa Cidade de Paz.
A ideia é o envolvimento dos jovens em atividades culturais e esportivas, além de incluir ações de combate ao crack. “Em 2012, a sensação de insegurança aqui era muito grande. Isso tem diminuído, mas ainda são preocupantes o uso e o tráfico de drogas, que resultam em tantas mortes”, afirmou o vice-prefeito Wenceslau Júnior.
Qual Salvador?
Em El Salvador, o poderio de gangues chega a obrigar o governo a fazer acordos para evitar “banhos de sangue”. À imprensa internacional, o porta-voz do governo, Eugenio Chicas, disse que o crescimento da violência no país é atribuído a “grupos criminosos que decidiram declarar a guerra à população”.
Os últimos dados do Banco Mundial apontam uma taxa de homicídio de 41,2 no país ‘xará’ da capital baiana, que tem taxa de 43,6. No caso da nossa Salvador, ações criminosas ligadas ao narcotráfico também têm sido as principais motivações para a escalada de violência.
Já as taxas de homicídio das pobres Guatemala (39,9) e Belize (44,7) têm como panos de fundo, além do narcotráfico, a fraca aplicação da lei, que gera a impunidade. Apesar de menos ‘municiada’ que a Guatemala — e seus 60% de cidadãos armados —, Conquista rivaliza em taxa de assassinato: 47,9.
No levantamento divulgado pelo Banco Mundial são excluídos os casos de mortes em conflitos armados (na maioria dos casos, em zonas de guerra). No caso do levantamento sobre as cidades brasileiras, o objetivo principal do estudo, segundo o Ministério da Justiça, é traçar os fatores que podem influenciar nas altas taxas de assassinato.
Entre os indicadores avaliados, o único em que a Bahia aparece com ‘desempenho’ mediano é o que identifica a presença de gangues e drogas. Os demais indicadores – como as diferentes formas de violência, o IDH e o acesso a armas de fogo – são considerados ruins.
“Esses indicadores apontam, de maneira geral, para um estado com relações violentas, alta circulação de armas e parca presença do Estado”, resume o estudo.
A Secretaria da Segurança Pública foi procurada para comentar o comparativo das taxas de homicídio e informou que a Secretaria da Comunicação (Secom) se pronunciaria sobre o assunto. Procurada, a Secom disse que se posicionaria, mas não enviou resposta até o final da noite de ontem (15).
América Central: violência impõe crise de refugiados
A região centro-americana — em especial a área onde ficam os vizinhos Honduras, Guatemala, El Salvador e Belize, quatro dos cinco países com maior taxa de homicídio — é cenário de uma crise de refugiados, na qual milhares de pessoas, entre elas mulheres e crianças, são forçadas a fugir de níveis alarmantes de violência, alertou um estudo divulgado no último dia 28 pela agência da ONU para os Refugiados (Acnur).
O relatório Mulheres em Fuga afirma que “se trata de uma crescente crise de refugiados” ante a incapacidade dos governos de conter a onda de violência urbana e a ação do crime organizado.
Segundo a AFP, ao apresentar o informe, o alto comissário da ONU para os refugiados, o português António Guterres, disse que “a atenção está voltada para a crise global de refugiados, mas há uma difícil crise de deslocados aqui, no continente americano, que não pode mais ser ignorada”.
Segundo ele, entre 2008 e 2014, a Acnur registrou que a chegada de refugiados aos EUA vindo desses países quintuplicou e, no México, os pedidos multiplicaram por 13.
Conforme Guterres, o informe inclui “histórias horrorosas” contadas por mulheres e que constituem uma “ilustração chocante” da extensão e complexidade da crise, protagonizada por grandes quadrilhas conectadas e bem armadas que superou a capacidade de resposta dos governos.
Economias cresceram, mas violência persiste
Coordenador do curso de Relações Internacionais da Unijorge, o professor Matheus Souza vê um paradoxo entre os avanços econômicos observados na América Latina, incluindo o Brasil, e o fato de a região ter os cinco países com maior taxa de homicídio do mundo.
“Apesar dos avanços econômicos que podem ser observados na região, paradoxalmente, não tem significado uma redução drástica dos níveis de violência, boa parte associados ao tráfico de drogas”, apontou.
Souza lembra que, tanto na Bahia, quanto nos países da América Central e Venezuela, o combate ao narcotráfico tem sido ineficiente e o quadro pode ser muito mais alarmante do que os números indicam.
“Muitas vítimas não se sentem seguras em denunciar. É um quadro desastroso. Apesar dos mecanismos, das delegacias especializadas, muitas vezes, os tentáculos do crime são grandes e se incorporam ao sistema”, disse.