
Ataque a tiros e facadas fere cerca de uma dezena de indígenas Gamela e deixa três baleados. No momento do ataque, de acordo com os Gamela, a Polícia Militar já estava no local e não interveio
Um grupo Gamela acabou brutalmente atacado na tarde desse domingo (30), no Povoado de Bahias, município de Viana no Maranhão. Os indígenas decidiram se retirar de uma área tradicional retomada e, enquanto saíam, sofreram uma investida de dezenas de homens armados de facões, paus e armas de fogo. Pouco puderam fazer em defesa própria a não ser correr para a mata. Um carro de polícia estava junto ao grupo de fazendeiros e capangas antes da ação violenta.Pelo menos cinco indígenas feridos em estado grave foram internados no hospital Socorrão 2, Cidade Operária, na capital São Luís. Um deles levou dois tiros. Além disso, dois indígenas tiveram as mãos decepadas e ligamentos dos joelhos cortados. Dois deles ainda permanecem internado em estado grave.
Vários outros indígenas estão feridos. Ao menos uma dezena de Gamela foram feridos a golpes de facão e pauladas. Em alguns casos, há índios com ferimentos mais severos. Não há confirmação de óbitos. As vítimas estão recebendo os cuidados médicos nos hospitais de Viana, Matinha, Olinda Nova do Maranhão e Penalva – para onde foram levados.
“Estavam bêbados. Já tínhamos nos retirado da casa, estávamos tomando o caminho de volta. Chegaram atirando e dando com pau e facão. Foi muito rápido, muito rápido”, diz um indígena ouvido pela equipe de comunicação do Cimi (os nomes foram omitidos por se tratam de testemunhas da agressão). Com dedos fraturados e a cabeça atingida possivelmente por um facão, o Gamela estava ao lado de um outro indígena também com ferimentos no rosto e no braço.
No momento do ataque, de acordo com os Gamela, a Polícia Militar já estava no local e não interveio. Por volta das 20h30, o delegado Mário, de plantão da Delegacia Regional da Polícia Civil de Viana, afirmou por telefone à equipe do Cimi que não sabia ao certo o número de feridos Gamela por entender que na região eles não são vistos como indígenas.
“Tem uma questão aqui, que eles (Gamela) não são aceitos pela população local como sendo indígenas. Tem uma grande questão aqui sobre isso, eu mesmo não sei se eles são indígenas ou não são, até agora a gente não sabe, entendeu?”, disse o delegado. O Governo do Estado foi informado do ataque contra os Gamelas por intermédio da Secretaria Estadual de Direitos Humanos.
Esse, no entanto, não é um caso isolado na região. Em 2015, um ataque a tiros foi realizado contra uma área retomada. Em 26 de agosto de 2016, três homens armados e trajando coletes à prova de bala invadiram outra área e foram expulsos pelos Gamela, que mesmo sob a mira de armas de fogo os afastaram da comunidade.
Ação premeditada
De acordo com farto material público divulgado em redes sociais e mídia, apoiadores do povo Gamela e as lideranças indígenas afirmam que o ataque foi premeditado. “Fazendeiros e gente até de fora aqui da região passaram o dia reunidos, fazendo churrasco e bebendo. O encontro foi convocado dias antes, logo após a nossa última retomada”, diz uma liderança Gamela.
Na última sexta-feira, 28, os Gamela retomaram uma área (na foto ao lado) contígua à aldeia Cajueiro Piraí localizada no interior do território tradicional reivindicado pelo povo. Na ocasião, os Gamela trancaram a rodovia MA-014 em apoio à greve geral e em sincronia com o 14º Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorria em Brasília. Em seguida, retomaram a área incidente na terra indígena, localizada ao fundo da aldeia Nova Vila, usada para a criação de búfalos e gado.
“Nossos pés em dança reafirmaram o Direito à Terra dos Encantados à qual pertencemos. À tarde seguimos em retomada para libertar mais um pedaço do nosso território aprisionado por fazendeiros. A resposta dos nossos Encantados veio em forma de chuva generosa e abundante. Nossos rios e igarapés transbordaram; açudes construídos sobre Lugares Sagrados foram rompidos. Águas se encontraram. Teremos peixe e pássaros em abundância”, diz trecho da nota divulgada pelos Gamela.
Parlamentar envolvido
Por meio de entrevista a uma rádio local, o deputado federal Aluísio Guimarães Mendes Filho (PTN/MA), que foi assessor presidencial de José Sarney e secretário de Segurança Pública na última gestão do governo de Roseana Sarney no Maranhão, após a retomada de sexta-feira (28), chamou os Gamelas de arruaceiros e, em diversos momentos, emitiu opiniões com teor de incitação à violência. Num trecho o parlamentar percebe os excessos e tentar baixar o tom (ouça o programa abaixo).
“Botou gasolina na fogueira que acenderam pra queimar o nosso povo. Não teve responsabilidade com as nossas vidas. As notícias que chegavam eram de uma concentração cada vez maior de fazendeiros pra nos atacar. Mobilizaram por celular e pelas rádios. Pegaram gente de outras regiões. Pensávamos que seria na (aldeia) Cajueiro, mas quando percebemos que seria no Povoado das Bahias, não tinha como ficar lá com tão pouca gente. Olha, foi um massacre”, destaca um outro Gamela presente na hora do ataque e que sofreu apenas escoriações.
A equipe de comunicação do Cimi teve acesso a áudios de ligações telefônicas, que serão encaminhadas às autoridades públicas. Em uma gravação, os policiais afirmam que os indígenas estavam invadindo fazendas e diz que a polícia estava “largando o pau” nos Gamelas. “Estavam invadindo fazendas e a polícia estava largando o pau mesmo e parece que balearam dois, viu. (…) os índios tá botando bem curtinho. Vai dar morte ali. Já foi hoje já”. Em outro, o policial afirma: “não sabe se dá pra mandar gente lá (local do conflito) porque é a população contra os índios mesmo”.
Na região, os fazendeiros têm se revoltado com o movimento de “corta de arame” empreendido pelos Gamela por todo o território tradicional. A cada cerca levantada, os indígenas vão e cortam seus arames. (Congresso em Foco)