Na fronteira da monocultura da soja na Amazônia, comunidades que praticam sistemas agrícolas tradicionais (SATs) preservam a memória cultural e sustentam o meio ambiente, apontando um caminho para o futuro. "Esses sistemas desempenham um papel fundamental na produção das paisagens e na manutenção da sociobiodiversidade", comenta a antropóloga Emília Pietrafesa de Godoi, professora do Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp).
Importância dos Sistemas Agrícolas Tradicionais
Godoi investiga, com apoio da FAPESP, os SATs na região do Baixo Tapajós, no Pará, considerando-os como patrimônio cultural e ambiental. Sua pesquisa envolve comunidades como Jamaraquá, Maguari, São Domingos, entre outras, e colabora com associações agroecológicas femininas, como Amabelas e Flores do Campo. "O trabalho exige uma combinação de olhares, com antropólogos, economistas, ecólogos e pesquisadores de diversas áreas", destaca Godoi. A participação local é essencial para o projeto.
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O reconhecimento dos moradores como pesquisadores é um dos eixos centrais da pesquisa. "No Baixo Tapajós, os moradores não são apenas informantes", enfatiza Godoi. O projeto começa com visitas às comunidades para ouvir suas demandas e estruturar oficinas sobre temas relevantes, como associativismo, além de promover intercâmbios e encontros sobre práticas agrícolas entre moradores e acadêmicos.
Memória e Patrimônio Cultural
Os SATs são reconhecidos como patrimônios pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com exemplos de populações indígenas e quilombolas. Contudo, a região do Baixo Tapajós não foi patrimonializada até agora. Godoi explica que esses sistemas estão profundamente ligados às "terras pretas de índios", que têm uma dimensão temporal significativa.
Godoi propõe uma complementaridade entre a "memória da terra", revelada por fragmentos arqueológicos, e a "memória na terra", que é expressa pelos cultivos e práticas agrícolas das gerações atuais. "Os moradores compartilham histórias que mostram como suas vidas estão conectadas à terra", afirma.
Micropaisagens e Transmissão de Conhecimento
Os SATs também englobam micropaisagens domésticas, como hortas e jardins, que são em grande parte manejados por mulheres. "Uma interlocutora disse que a família tinha uma ‘farmácia viva’ no sítio", recorda Godoi. Esse manejo da terra é intergeracional, com المعرفة passada de geração em geração.
O cultivo e a produção estão interligados, onde cada roça cultivada por avós e pais serve como legado para os netos. Um agricultor exemplifica esse vínculo ao explicar que planta árvores frutíferas tendo em mente o futuro de seu neto.
Desafios da Monocultura
No entanto, essas práticas tradicionais enfrentam ameaças, especialmente pela expansão da monocultura da soja, que chega a áreas próximas à Flona e ao longo da BR-163. Godoi alerta para os impactos da implementação de agrotóxicos, que afetam tanto as plantações quanto a saúde das comunidades. Os moradores notam alterações como a diminuição na produção de árvores frutíferas e a queda prematura dos frutos.
Análises Laboratoriais e Colaboração Interdisciplinar
A pesquisa agora também inclui análises laboratoriais sobre contaminação por agrotóxicos. Em visitas recentes, Godoi coletou amostras de solo e mel, que serão analisadas para glifosato, ressaltando a importância da colaboração entre diferentes campos do conhecimento. "Os problemas enfrentados são complexos e soluções requerem a integração de saberes", conclui.
Assim, os SATs representam não apenas um modo de produção, mas uma rica herança cultural e ambiental que necessita de proteção e valorização em meio às crescentes pressões da modernização e da monocultura.
Informações da Agência FAPESP
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