Pesquisadores apoiados pela FAPESP registraram, pela primeira vez, tubarões-limão (Negaprion brevirostris) predando uma espécie invasora, o peixe-jaguar (Parachromis managuensis). O registro ocorreu em março de 2024, na baía do Sueste, um conhecido ponto de alimentação de tubarões no arquipélago de Fernando de Noronha (PE).
O estudo foi publicado recentemente na revista Environmental Biology of Fishes e revelou um fenômeno inesperado. Apesar de a baía do Sueste ser uma entrada de água salgada, o peixe-jaguar é tipicamente encontrado em ambientes de água doce. No entanto, essa área recebe água doce de um manguezal próximo após chuvas intensas, o que pode ter facilitado a interação entre as duas espécies.
Introduzido em Fernando de Noronha provavelmente para produção de proteína animal, o peixe-jaguar pode tolerar níveis baixos de salinidade, mas fica estressado em níveis mais altos. Os pesquisadores notaram um comportamento errático do peixe, que facilitou sua captura pelos tubarões-limão. Estudos anteriores mostraram que salinidades superiores a 25 psu (unidade prática de salinidade) aumentam a frequência cardíaca dos peixes-jaguar, e na baía do Sueste os níveis podem chegar a 32 psu.
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"Esta é uma área de reprodução, berçário e alimentação dos tubarões-limão. Na noite anterior à nossa observação, houve chuvas fortes, fazendo com que o reservatório do Xaréu transbordasse, gerando uma conexão com a baía", explica Bianca Rangel, a primeira autora do estudo.
Com águas rasas, quentes e turvas, a baía do Sueste também é um habitat para tubarões-tigre (Galeocerdo cuvier), o que levou à proibição de banhos e mergulhos em 2022 após incidentes com turistas. As observações dos tubarões foram realizadas com o uso de drones, permitindo que os pesquisadores capturassem, medisse e marcassem os animais com microchips, além de coletarem amostras de sangue.
Os filhotes de tubarão-limão permanecem na baía por até um ano, em profundidades de 1 a 6 metros, antes de migrar para o mar aberto, protegendo-se de potenciais predadores da mesma espécie. Tanto filhotes quanto adultos foram observados consumindo peixes-jaguar.
Embora os tubarões-limão não sejam capazes de eliminar completamente a população do peixe-jaguar, a predação dos indivíduos que chegam à baía pode ajudar a controlar sua ameaça, já que não existem estudos conclusivos sobre o impacto do peixe-jaguar na biodiversidade local.
O trabalho faz parte do projeto "Impacto das mudanças antropogênicas na fauna: contribuições da fisiologia da conservação", apoiado pela FAPESP e coordenado por Fernando Ribeiro Gomes, professor do IB-USP.
Os autores consideram que o comportamento dos tubarões seja oportunista, dado que espécies de água doce não são parte habitual de sua dieta. No entanto, não está claro se o peixe-jaguar entra regularmente na baía após fortes chuvas ou se essa foi uma ocorrência isolada.
"Neste ano novamente houve transbordamento, mas não observamos essa interação. Não sabemos se a quantidade de peixes-jaguar estava baixa ou se não estavam mais presentes. A ausência de monitoramento no mangue e no açude limita nosso conhecimento sobre a população", destaca Rangel.
Caso a entrada do peixe-jaguar na baía se torne comum, é possível que os tubarões aprendam que há uma fonte de alimento disponível após as chuvas.
Existem registros de tubarões se alimentando de espécies invasoras, como o peixe-leão (Pterois spp.), mas este é o primeiro registro da predação de peixes-jaguar. O monitoramento contínuo será crucial para determinar se essa interação persiste e qual papel os tubarões desempenham no controle da espécie invasora.
O artigo "Unexpected prey: lemon sharks (Negaprion brevirostris) observed preying on an alien invasive freshwater fish in a remote no-take marine reserve in the Equatorial Atlantic" pode ser acessado aqui.
Informações da Agência FAPESP
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