Entre os séculos 16 e 19, durante a era do colonialismo, as expedições científicas, o armazenamento de espécimes em museus de história natural e as descrições de espécies nas colônias europeias da África, Ásia e América Latina foram predominantemente realizadas por naturalistas do Velho Mundo. Essa dinâmica continua a se manifestar, mesmo hoje, em países independentes que possuem estrutura e pessoal qualificado para entender sua biodiversidade.
Um estudo recente, publicado na revista Proceedings of the Royal Society B, revela que, entre mais de 3.200 descrições de espécies de moluscos terrestres realizadas entre 2003 e 2022, quase metade não teve cientistas locais como autores. Essa exclusão é especialmente acentuada em espécies do Sul Global. O neocolonialismo na ciência, denominado “ciência de helicóptero” ou “ciência de paraquedas”, descreve a situação em que pesquisadores estrangeiros viajam para coletar dados e retornar a seus países sem envolver ou creditar pesquisadores locais.
Os dados mostram que as descrições científicas são mais completas quando pelo menos um pesquisador do país de origem da espécie participa. Essa falta de colaboração prejudica não apenas os cientistas locais, mas a ciência em si, pois trabalhos menos robustos podem ter resultados invalidados, atrasando esforços de conservação que exigem dados precisos.
Leia Também
Para realizar a pesquisa, os autores compilaram um banco de dados com 3.272 descrições de moluscos terrestres publicadas em artigos, capítulos de livros ou livros entre 2003 e 2022. Destas, 68% foram descritas em 78 países do Sul Global e 32% em 26 países do Norte Global. Vale destacar que a categorização de Sul e Norte Global vai além da geografia e está mais relacionada a aspectos geopolíticos.
As descobertas revelaram que, enquanto a maioria das descrições ocorreu no Sul Global, apenas 33,3% delas contaram com a participação de pesquisadores locais. Em contrapartida, pesquisadores do Norte Global contribuíram com 79,3% das descrições. A análise também mostrou que 51,4% das descrições de espécies do Sul Global foram feitas sem a participação de cientistas locais, em contraste com apenas 0,6% no Norte Global.
Publicações exclusivamente envolvendo pesquisadores do local da espécie representaram 40,4% do total, enquanto trabalhos colaborativos com cientistas locais e estrangeiros foram apenas 14%. Alarmantemente, 45,6% das descrições foram fruto da “ciência de paraquedas”, predominante no Sul Global.
Os pesquisadores ressaltam que o que deveria ser uma colaboração produtiva entre Norte e Sul na verdade não leva a resultados mais robustos. Na realidade, a inclusão de pesquisadores locais contribui para resultados mais significativos. Para uma ciência mais inclusiva e eficaz na biodiversidade, é fundamental considerar a paridade de autoria e o acesso a ferramentas analíticas, além da valorização do conhecimento local.
O artigo Geopolitical impacts on the description of new terrestrial mollusc species pode ser lido em royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2025.1428.
Informações da Agência FAPESP
Curtiu? Siga o Candeias Mix nas redes sociais: Twitter, Facebook, Instagram, e Google Notícias. Fique bem informado, faça parte do nosso grupo no WhatsApp e Telegram.

