Nos últimos anos, a Amazônia tem revelado monumentos de conchas e terra, construídos há milênios por populações indígenas coletoras e pescadoras. Ao estudar esses sítios arqueológicos, conhecidos como sambaquis, pesquisadores têm descoberto a evolução da biodiversidade e das práticas alimentares dos povos que ocuparam a região.
Durante o recente Fórum Brasil-França “Florestas, Biodiversidade e Sociedades Humanas”, realizado em outubro no auditório da FAPESP, foram divulgados achados significativos da missão arqueológica franco-brasileira liderada por pesquisadores do Museu Nacional de História Natural da França. O evento, organizado junto à Universidade de São Paulo (USP) e à FAPESP, discutiu a biodiversidade florestal e suas interações com as sociedades humanas, tanto no passado quanto no presente.
Os sambaquis são considerados locais de memória, frequentados e reocupados ao longo dos últimos 3 mil anos. Essa longevidade permite que os cientistas analisem as transformações na biodiversidade e nas práticas alimentares dos nativos. Segundo Gabriela Prestes Carneiro, arqueóloga e coordenadora do projeto no Museu Nacional de História Natural, os sambaquis mais conhecidos estão no Sul e Sudeste do Brasil, mas a descoberta recente de sambaquis na Amazônia, especialmente na foz do rio Amazonas e no Baixo Amazonas, amplia o entendimento sobre a ocupação humana na região.
Com apoio do Instituto Serrapilheira e do Ministério da Europa e dos Negócios Estrangeiros da França, Carneiro e sua equipe investigam o sítio arqueológico do Munguba, onde os primeiros vestígios de sambaquis datam de cerca de 3.500 anos. Embora algumas estruturas possam servir como cemitérios, outras possivelmente foram áreas de moradia.
Os sambaquis no Baixo Amazonas apresentam dimensões variáveis, de poucos centímetros a um ou dois metros acima do nível da água. As conchas, que formam a maioria dos monumentos, liberam carbonato de cálcio durante a degradação, conservando restos orgânicos de fauna e flora do sítio, o que permite o estudo detalhado desse ambiente ao longo do tempo.
Entre os descobertos, diversas espécies de moluscos foram identificadas, muitas delas não consumidas atualmente, mas lembradas por comunidades locais. Um achado notável foi a mandíbula e vértebras de peixe-boi, refletindo mudanças nos hábitos alimentares na região.
A arqueóloga destaca que, devido a transformações sociais e ambientais, as práticas alimentares tradicionais têm sido substituídas por alimentos industrializados. Com dados de escavações, pesquisadores estão colaborando para reintroduzir plantas consumidas no passado nas escolas públicas de Tefé, no Amazonas.
Entretanto, os sítios arqueológicos enfrentam desafios, como a passagem de navios cargueiros, que ameaçam suas estruturas e os materiais dos pescadores locais que utilizam essas áreas para suas atividades. Essa situação requer uma abordagem urgente para preservar esses importantes legados culturais e ecológicos.
Informações da Agência FAPESP