Cerca de 4 mil espécies de plantas em diversas partes do mundo produzem néctar fora das flores, utilizando glândulas secretoras conhecidas como nectários extraflorais. Este tipo de néctar, distinto do néctar floral, não tem a função de atrair polinizadores, mas sim de atrair insetos defensores, como as formigas. Elas se alimentam desse líquido açucarado e, em troca, protegem a planta contra herbívoros, embora essa proteção possa ter um custo.
Um estudo recente publicado no Journal of Ecology, com apoio da FAPESP, revela que a presença de formigas pode reduzir a frequência e o tempo de permanência das abelhas em flores de plantas que possuem nectários extraflorais. A polinização é prejudicada quando os nectários extraflorais estão localizados próximos às flores. Em contrapartida, plantas com essas glândulas em folhas ou ramos demonstraram um aumento no sucesso reprodutivo, provavelmente devido à proteção proporcionada pelas formigas.
Diferentemente das abelhas, as borboletas, outro grupo de polinizadores, não são afetadas negativamente pela presença das formigas. Essa diferença pode ser atribuída ao modo como cada grupo se alimenta: as borboletas utilizam um órgão longo chamado espirotromba para acessar o néctar de forma segura, enquanto as abelhas precisam se aproximar da flor para coletar polén e néctar, sendo, assim, impedidas pelas formigas.
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“As abelhas se aproximam muito da flor para coletar os recursos, e as formigas as afastam rapidamente. Nossa análise mostrou que a presença das formigas é prejudicial à polinização quando os nectários extraflorais estão próximos das flores, mas benéfica para a reprodução das plantas quando localizados em outras áreas”, explica Amanda Vieira da Silva, doutoranda da Universidade Federal do ABC (UFABC).
As conclusões do estudo são baseadas na análise de dados de 27 pesquisas sobre as interações entre formigas, polinizadores e plantas com nectários extraflorais, escolhidas a partir de uma triagem inicial de 567 estudos. Os dados foram meticulosamente compilados e analisados utilizando ferramentas computacionais.
Múltiplos Mutualismos
Tradicionalmente, pesquisas têm focado em interações isoladas, avaliando, por exemplo, o quanto as formigas benefician a defesa das plantas contra herbívoros ou como os polinizadores favorecem a reprodução. Entretanto, essas interações vão além do simples efeito isolado. Para entender como elas impactam crescimento e reprodução, é essencial analisá-las de forma integrada.
Estudos evolutivos sobre os gêneros de plantas que possuem nectários extraflorais indicam que essa característica é facilmente adquirida e perdida ao longo do tempo. Assim, a influência das formigas sobre a visitação das flores por abelhas pode ter exercido pressão seletiva significativa na evolução dessas glândulas.
“Se a presença das formigas é prejudicial à reprodução das plantas ao afastar as abelhas, a persistência dos nectários extraflorais pode se tornar desvantajosa, levando à sua perda em um processo evolutivo”, comenta Laura Carolina Leal, professora do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo.
Curiosamente, entre os quase mil gêneros que possuem nectários extraflorais, apenas 46 dependem exclusivamente de abelhas para sua polinização. Os pesquisadores consideram a hipótese de que, em certos casos, a interação simultânea entre plantas com nectários extraflorais e flores polinizadas por abelhas pode ocorrer sem conflito.
“Em algumas plantas, os nectários extraflorais e as flores que atraem polinizadores são produzidos em épocas diferentes do ano, evitando assim a competição entre elas”, aponta Anselmo Nogueira, professor do Centro de Ciências Naturais e Humanas da UFABC.
Perspectivas Futuras
Novas pesquisas estão sendo conduzidas para investigar se uma interação adicional pode atuar como um estabilizador das interações entre formigas e polinizadores em plantas com nectários extraflorais.
“Se o néctar for muito atrativo tanto para abelhas quanto para formigas, elas podem se evitar mutuamente. Além disso, algumas plantas com nectários extraflorais abrigam bactérias fixadoras de nitrogênio em suas raízes, que aumentam a produtividade e podem possibilitar um maior investimento da planta em recursos de alta qualidade para seus parceiros animais”, conclui Nogueira.
O artigo “Ants on flowers: protective ants impose a low but variable cost to pollination, moderated by location of extrafloral nectaries and type of flower visitor” pode ser acessado em: Journal of Ecology.
Informações da Agência FAPESP