Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) demonstraram, em um modelo animal, que a resistência à insulina no cérebro pode afetar tanto a doença de Alzheimer quanto a epilepsia, funcionando como um elo entre essas condições.
Este estudo, apoiado pela FAPESP, reforça a conexão observada em evidências clínicas de que indivíduos com epilepsia apresentam um risco elevado de desenvolver Alzheimer à medida que envelhecem. Pacientes com Alzheimer frequentemente também sofrem de crises convulsivas.
“Este estudo revela que a sinalização de insulina no cérebro, quando alterada, impacta tanto a epilepsia quanto a doença de Alzheimer. Isso sugere que a complexidade da doença de Alzheimer exige abordagens terapêuticas mais abrangentes. Medicamentos que focam apenas em um aspecto tendem a ter um efeito limitado. Portanto, é essencial realizar pesquisas diversificadas sobre o assunto”, afirma Norberto Garcia-Cairasco, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e diretor do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental (LNNE).
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A doença de Alzheimer é uma condição neurodegenerativa complexa e multifatorial, sem cura definitiva. Entre as teorias que tentam explicar sua origem, a cascata amiloide destaca-se, sugerindo que o acúmulo de placas de beta-amiloide no cérebro é o gatilho principal para processos que levam à morte neuronal e à demência.
Formulada em 1992, essa teoria tem dominado as investigações sobre Alzheimer nas últimas décadas. Outras hipóteses relevantes incluem a diminuição de acetilcolina — um neurotransmissor vital para a memória — e a neuroinflamação, que pode ser provocada pela acumulação de peptídeos amiloides no cérebro. Além disso, a hiperfosforilação da proteína Tau leva à formação de emaranhados nas células cerebrais, prejudicando seu funcionamento e contribuindo para a progressão da doença.
Atualmente, os medicamentos mais utilizados no tratamento do Alzheimer, como os anticolinesterásicos, possuem eficácia limitada e agem apenas de forma sintomática. “Já foram documentados casos de indivíduos com placas beta-amiloides no cérebro que não apresentam sintomas de Alzheimer”, afirma o pesquisador.
### Caráter Metabólico
Uma das hipóteses que surge a partir deste estudo é que a resistência cerebral à insulina resulta em danos neuronais e deficiências na plasticidade sináptica, especificamente no hipocampo. Essa resistência à insulina poderia, inclusive, impactar a função colinérgica e aumentar a probabilidade de neuroinflamação, favorecendo a produção de proteínas beta-amiloide e Tau nos tecidos cerebrais.
Pacientes diabéticos têm um risco maior de desenvolver Alzheimer, mas a resistência à insulina pode ocorrer sem que a pessoa tenha diabetes tipo 1 ou 2. Com base nessa hipótese, que ainda gera debate entre especialistas, sugere-se que o Alzheimer poderia ser considerado um tipo de diabetes, frequentemente denominado diabetes tipo 3, relacionado a um estado de resistência à insulina no cérebro.
A epilepsia, por sua vez, é caracterizada por crises recorrentes e espontâneas e se observa mais frequentemente na infância e em adultos mais velhos. Os fatores desencadeantes das crises incluem, entre outros, a hipoglicemia. A etiologia da epilepsia pode ser genética, traumática, autoimune ou associada a problemas metabólicos e infecções.
“Alguns cientistas vinculam Alzheimer apenas à neuroinflamação, às alterações dos neurotransmissores ou ao diabetes tipo 3. Contudo, acreditamos que o Alzheimer é uma doença mais complexa, e entender sua relação com a epilepsia e a resistência à insulina pode ajudar a desvendar aspectos relacionados à sua causalidade”, afirma Garcia-Cairasco à Agência FAPESP.
O estudo é um dos primeiros a demonstrar uma ligação direta entre resistência à insulina cerebral e a suscetibilidade a crises epilépticas. Além disso, parte de um projeto maior que recebeu reconhecimento em 2024, incluindo o Prêmio Aristides Leão e o Prêmio de Melhor Pôster em Geriatria.
### Crise Epiléptica
Para atingir esses resultados, os pesquisadores da FMRP-USP descobriram que ratos microinjetados com estreptozotocina, um agente químico usado para induzir Alzheimer em experimentos, apresentaram características epilépticas.
“Para investigar a hipótese do diabetes tipo 3 em um modelo animal, injetamos estreptozotocina nos roedores, um composto conhecido por induzir resistência à insulina e simular Alzheimer. Após receberem um estímulo sonoro intenso, alguns animais mostraram respostas semelhantes a crises convulsivas”, relata Suélen Santos Alves, aluna de doutorado e primeira autora do estudo.
Além disso, os ratos da linhagem Wistar Audiogenic Rat (WAR), desenvolvidos para pesquisa em epilepsia, apresentaram alterações moleculares associadas ao Alzheimer. Uma única dose da droga injetada não apenas induziu resistência à insulina, mas também piorou a memória dos roedores e aumentou a frequência de convulsões.
“Observamos que esse modelo possui não apenas déficits de memória, mas também maior propensão a crises convulsivas, relacionadas a uma ativação neuronal elevada nas regiões cerebrais com muitos receptores de insulina. Essas descobertas indicam que a resistência à insulina no cérebro desempenha um papel crucial na epilepsia e pode ser um dos principais mecanismos ligando essa condição à doença de Alzheimer”, conclui Alves.
A linhagem de ratos com epilepsia e Alzheimer, desenvolvida na FMRP-USP, foi doada ao Rat Resource and Research Center (RRRC) da Universidade de Missouri, onde está disponível para investigadores de todo o mundo. A pesquisa continua, agora com tecidos de pacientes submetidos a cirurgia para tratamento da epilepsia, em colaboração com o Centro de Cirurgia de Epilepsia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP.
O artigo completo, intitulado “Insulin signaling disruption exacerbates memory impairment and seizure susceptibility in an epilepsy model with Alzheimer’s disease-like pathology”, pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00702-025-02896-1.
Informações da Agência FAPESP