As recentes restrições a políticas públicas de saúde para pessoas transgênero em diversos países, incluindo o Brasil, ameaçam desmantelar serviços essenciais para essa população, resultando em retrocessos significativos. Um artigo publicado na revista Nature Medicine por pesquisadores brasileiros alerta sobre essa situação.
Resolução do CFM e suas Implicações
A nova resolução nº 2.427 do Conselho Federal de Medicina (CFM), aprovada em abril, proíbe o uso de bloqueadores hormonais em menores de 18 anos, estabelece a idade mínima de 18 anos para a terapia hormonal cruzada e libera cirurgias de transição de gênero apenas a partir de 21 anos. Essas diretrizes não apenas dificultam o atendimento de saúde, mas também restringem a pesquisa científica neste campo.
Os procedimentos de hormonização, que consistem na administração de hormônios sexuais para alinhar as características físicas com a identidade de gênero, agora enfrentam barreiras significativas. Anteriormente, o CFM havia publicado uma resolução que regulamentava esses tratamentos com base em evidências.
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Efeitos Psicológicos e Riscos à Saúde
Os especialistas alertam que essas novas restrições podem gerar um efeito intimidador entre os profissionais de saúde, resultando em uma oferta inadequada de cuidados. Isso pode aumentar os riscos de depressão, isolamento social e suicídio entre jovens transgêneros. O artigo enfatiza a importância de uma abordagem baseada em evidências para o atendimento a essa população.
Ação da Comunidade Científica
Os autores do artigo conclamam entidades profissionais e a comunidade acadêmica a reafirmar seu apoio a cuidados baseados em evidências para indivíduos trans. O psiquiatra Alexandre Saadeh, um dos coautores, destaca a necessidade de ouvir jovens trans e suas famílias nas discussões sobre políticas de saúde.
Desafios à Pesquisa Científica
Bruno Gualano, coautor do texto, aponta que a nova norma dificulta a produção de conhecimento científico ao proibir práticas anteriormente regulamentadas. A pesquisa no Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero do Hospital das Clínicas da USP, que atendia jovens com bloqueadores da puberdade, demonstrou que os efeitos adversos eram raros e que a desistência do tratamento ocorria em menos de 2% dos casos.
Dados e Estatísticas sobre a População Trans
O Brasil carece de dados oficiais sobre a população trans. Um levantamento da Faculdade de Medicina de Botucatu revelou que aproximadamente 3 milhões de pessoas no país se identificam como transgênero ou não binárias. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde 2023, que incluirá orientações sobre identidade de gênero, ainda não divulgou resultados.
Contexto Internacional
No Reino Unido, o NHS restringiu o acesso a bloqueadores de puberdade a ambientes de pesquisa. Nos Estados Unidos, uma ordem executiva impôs restrições que desafiam as recomendações de instituições médicas. Essas mudanças têm implicações éticas e comprometem o direito à saúde e à assistência adequada às pessoas trans.
Conclusão
As novas diretrizes do CFM podem levar jovens trans a procurar serviços inadequados ou buscar automedicação, colocando em risco sua saúde. A importância do compromisso da medicina com evidências e a defesa dos direitos da população trans são cruciais nesse momento de retrocesso.
O artigo completo, "The global rollback of transgender care, science and rights", pode ser lido em Nature Medicine.
Informações da Agência FAPESP