Em física, um sistema composto por duas substâncias pode ser modelado por meio da teoria clássica de mistura, que considera a fração correspondente a cada constituinte e a interação entre eles. Exemplos são a coexistência de fases de alta e baixa densidades na água super-resfriada e a transição metal-isolante de Mott, que envolve a coexistência de poças metálicas em uma matriz isolante.
Motivados por essas considerações, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro utilizaram conceitos de física da matéria condensada para descrever a compartimentalização de proteínas no interior de células. Eles propuseram uma fase celular do tipo Griffiths em analogia com a fase magnética de Griffiths. O estudo, coordenado pelo professor Mariano de Souza e com o pós-doutorando Lucas Squillante como primeiro autor, foi publicado na revista Heliyon.
Os pesquisadores exploraram a fase magnética de Griffiths, na qual regiões magnetizadas ou não magnetizadas emergem em matrizes paramagnéticas ou ferromagnéticas, respectivamente, resultando em uma expressiva diminuição da dinâmica dos sistemas. No estudo atual, as gotículas de proteínas que se formam no interior das células são consideradas as “regiões raras” em analogia direta com a fase magnética de Griffiths.
A produção de proteínas no interior de uma célula pode levar à separação de fases do tipo líquido-líquido, resultando na compartimentalização de proteínas em forma de gotículas. Na vizinhança da linha binodal que determina essa separação de fases, a dinâmica celular é dramaticamente reduzida, resultando em uma fase celular do tipo Griffiths.
O estudo propõe que a fase celular do tipo Griffiths esteja associada à origem da vida e dos organismos primordiais. Isso pode estar relacionado ao papel da homoquiralidade no processo de evolução da vida. A redução das flutuações estocásticas na célula desempenha um papel fundamental na otimização da expressão gênica.
Além disso, a separação de fases líquido-líquido é discutida em relação ao desenvolvimento e tratamento de diversas doenças, como tumorigênese, cataratas, doenças neurodegenerativas e até mesmo no contexto do SARS-CoV-2. A fase celular do tipo Griffiths proposta neste estudo pode ter um impacto relevante no gerenciamento e tratamento de doenças. O estudo realça a importância da abordagem interdisciplinar em estudos fundamentais.
O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos. Mais detalhes podem ser encontrados no artigo “Cellular Griffiths-like phase” disponível em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2405844024106536.
Informações da Agência FAPESP