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Ativistas celebram decisão do STF de tornar injúria racial imprescritível

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Secretária de Promoção da Igualdade racial em frente ao busto de Mãe Gilda de Ogum | Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE – Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE

Entramos no Novembro Negro com a certeza de que, para a justiça brasileira, o crime de injúria racial é imprescritível. A decisão, tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 28 de outubro, entende que casos de injúria – onde a ofensa é direcionada a um indivíduo -, podem sim ser enquadrados criminalmente como racismo – ofensa direcionada ao coletivo -, e por isso, imprescritível pela Constituição, não havendo, portanto, prazo específico para o Estado punir o acusado.

“O sistema de justiça precisa ser formado sobre a perspectiva das relações raciais e o direito para que essa alteração, bem como toda a legislação que possui proteção à comunidade afrodescendente, seja implementada. E para coibirmos ações desta natureza é preciso sempre monitorar as medidas e a duração razoável dos processos”, explica Dandara Pinho, presidente da Comissão Especial de Promoção da Igualdade Racial da OAB-BA.

Previsto pela Constituição da República, o crime de racismo ocorre quando há uma ofensa contra a etnia de um grupo ou coletividade, e é imprescritível. Já a injúria racial é uma ofensa à dignidade de um indivíduo através de palavras depreciativas sobre sua raça, cor, etnia, religião ou origem, e, até pouco tempo, era prescritível. Porém, no final de outubro, por 8 votos a 1 – apenas o ministro Nunes Marques foi contra -, o STF considerou que a injúria racial é uma espécie de racismo, a tornando imprescritível.

“O problema era que as pessoas usavam expressões e tinham comportamentos racistas, mas a lei considerava ser apenas injúria, quando na realidade era racismo puro, um crime que deve ter uma punição que se equipare à sua gravidade. Por isso essa é uma decisão que precisa ser posta em prática agora, e todas as pessoas e instituições precisam se adequar. Não há o que debater e sim o que se cumprir”, afirma Fabya Reis, titular da Secretaria de Promoção da Igualdade da Bahia (Sepromi).

“O racismo não dorme, não cochila, não tira férias e não descansa. O racismo age de uma forma silenciosa e mata o nosso povo 24 horas por dia”, afirma Hamilton Oliveira, o Dj Branco, que é produtor cultural, comunicador empreendedor e coordenador geral da Casa do Hip Hop Bahia. Essa medida contribui efetivamente no combate ao racismo, ele explica, mas ainda existe um mito de uma falsa democracia racial.

“E, na prática, essa democracia muitas vezes não existe, né? A decisão do STF contribui sim para a nossa identidade, cultura, dignidade, honra, história, memória e luta. Mas a população negra construiu esse País e continua contribuindo para o desenvolvimento sócio-político, cultural e econômico, e ainda não alcançamos a reparação histórica de mais de 500 anos de sofrimento. Tudo o que a gente conquistou, veio de nossas lutas diárias, mas o Brasil está longe de quitar essa dívida. Nosso povo precisa sobreviver e viver”, afirma o DJ.

Advogada, professora, educadora social e coordenadora do Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, Maíra Santana Vida explica que a sociedade e o sistema de justiça resistem ao reconhecimento de que o Brasil não vive – e nunca viveu -, uma democracia racial: ambos tratam os crimes de ódio racial de forma moralista, conservadora e artificial, como se o racismo não fosse a chave mestra das relações sociais e institucionais, o responsável por definir quem vive e como se vive em nossa inacabada democracia.

A criação de novos tipos penais, endurecimento das normas coercitivas e majoração das penas, explica Vida, não são as respostas eficientes para a eliminação do racismo. “Eles não tem o condão de mudar uma cultura de violência e de normalização da morte literal e simbólica de corpos negros. Então, geralmente, o argumento penal reverbera em desfavor da população negra, pois não foram concebidos para a sua proteção. Entretanto, esses instrumentos podem ser um desestímulo às práticas de racismo quando discutidos no âmbito das políticas penais e públicas, com a garantia da participação dos grupos mais vulnerabilizados e destinatários em potencial delas”, explica.

E quem concorda com isso é a museóloga Lorena Lacerda, que é pesquisadora e palestrante da estética negra, feminismo negro e antirracista, turbanteira e secretaria escolar na Escolinha Maria Felipa (instituição trilíngue que ensina inglês, espanhol e iorubá). Ela explica que essa decisão do STF tem sua importância, mas é preciso mudar a estrutura social do Brasil, colocando pessoas negras não apenas no centro do debate, mas também debatendo e disputando narrativas dentro desses espaços.

“Precisamos, sim, discutir o crime de racismo no Brasil, mas também precisamos da participação de pessoas negras numa instituição como o STF, por exemplo, onde a maioria é branca e está lá definindo medidas para combater o racismo. Temos uma massiva participação popular, mas precisamos estar lá dentro para pautar o que é sobre nós, erguendo a voz e discutindo questões negras. Só assim poderemos começar a mudar o imaginário racista brasileiro”, pontua Lacerda.

A pesquisadora salienta que o racismo organiza, interfere e dita a sociedade brasileira politicamente, socialmente e economicamente. “No imaginário da sociedade racista, ao praticar uma injúria racial, ela pensa que toda a comunidade negra está ali em uma pessoa, desumanizando a coletividade negra, julgando ela como desprovida de intelecto e esteticamente feia. Essa pessoa é racista e não tem como fugir disso, por isso o crime de racismo no Brasil deve ser levado a sério”.

Para ela, precisamos acostumar o nosso olhar a visualizar pessoas negras em espaços de poder para mudarmos esse imaginário. “Estamos acostumados a ver pessoas negras apenas em subempregos e em condições humilhantes, essa ideia continua sendo perpetuada. A decisão do STF é importante para mostrar que o racismo é um crime grave que violenta pessoas negras, mas a sociedade só vai mudar através da educação, que deve trazer o protagonismo negro enquanto potência, para termos crianças, adolescentes e adultos antiracistas, sejam elas brancas ou negras”, explica

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